Quem se lembra do filme “Planeta dos Macacos” de 1968 (Planet of the Apes) estrelado por Charlton Heston, que originou a saga com sete filmes e uma série para a televisão baseado no romance La planète des singes (1963), do escritor francês Pierre Boulle.
Com certeza algum dos sete filmes ou algum capítulo da série, para os mais “antigos”, foram assistidos ou de alguma forma tomaram conhecimento da ficção retratada.
Relembrando, o filme retrata um astronauta americano, George Taylor (Charlton Heston), que por acidente acaba por pousar em um planeta habitado por macacos. Os animais são dominantes e escravizam seres humanos que lá se encontram inclusive o próprio astronauta e os demais tripulantes da nave.
O filme retrata a luta do astronauta pela sua liberdade e dos demais seres humanos que se encontram sob o domínio dos macacos.
Lembro que ao assistir ao filme e a série tive inquietações e questionamentos, como por exemplo, por que ficamos com raiva dos macacos quando escravizam os seres humanos, por que nos sensibilizamos ao vermos os macacos subjugarem os seres humanos e por que torcemos pelos seres humanos quando fogem dos maus tratos perpetrados pelos macacos quando nós mesmos escravizamos animais, os subjugamos, fazemos testes em animais, sacrificamos em nome de cultos religiosos, os usamos em rodeios e em vaquejadas, tudo em nome da manifestação religiosa e cultural e, por fim, em pleno século XXI cavalos são utilizados como animais de tração para transporte de toda a espécie de carga, isto, sem querer esgotar o rol de atos de maus tratos e crueldades praticados diuturnamente a toda sorte de animais.
Como referido, o filme e a série de televisão servem para reflexão e nos trazem pelo menos dois questionamentos.
Será que somente o animal humano tem valor moral?
Será que somente o animal humano merece proteção?
A resposta é não.
Sem adentrarmos em questões culturais, filosóficas ou religiosas sobre animal não humano e sua relação com animal humano, cujo presente texto não tem a pretensão de debater, bem como não é o meio para o estudo, exigindo profunda reflexão, parto da analise do texto constitucional, que assegura a proteção dos animais em seu artigo 225, especificamente o seu inciso VII.
Citamos o texto da Carta de 1988.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
A cabeça do artigo 225 da CFB se trata de direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O parágrafo primeiro impõe ao Poder Público (aqui a ordem é para todas as esferas do Poder Público) a obrigação de promover e garantir a manutenção, preservação e existência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e futuras gerações.
O inciso VII traz uma dicotomia constitucional quando na primeira parte do texto - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoque a extinção de espécies - considera o animal com elemento que compõe a fauna, tratando-se de matéria de Direito Ambiental.
A segunda parte do texto - submeta os animais à crueldade - considera o animal individualmente, não como elemento que compõe a fauna. O constituinte originário ao vedar ato que submeta à crueldade passa a considerar o animal não humano com valor moral próprio, valor intrínseco, cujo fato biológico da senciência e consciência animal lhe conferem dignidade, dignidade própria, desimportando da relação com animal humano ou com o sentido de coletividade da fauna, tratando-se de matéria de Direito Animal.
No momento que a Constituição Federal confere ao animal não humano consideração moral e lhe outorga proteção se faz necessário um catálogo mínimo de direitos fundamentais a garantir uma existência digna, cuja norma se extrai a “Regra da Proibição da Crueldade” e se extrai o “Principio da Dignidade Animal e o Principio da Universalidade Animal”.
Portanto, a fundamentalidade material do direito animal está na dignidade, esta decorrente do fato biológico da senciência e consciência, objeto de previsão constitucional no citado inciso VII, segunda parte, do parágrafo 1º do artigo 225 da CFB, bem jurídico objeto de tutela constitucional.
Em brevíssima analise do texto constitucional é possível responder as duas perguntas: sim, animal não humano tem valor moral e sim, animal não humano merece proteção por todas as esferas do Poder Público, por força da ordem constitucional.
Neste contexto a pergunta permanece, por qual razão ainda submetemos os animais não humanos a tratamentos cruéis sem nos importarmos com a capacidade de os mesmos, pelo menos em relação aos animais vertebrados e alguns invertebrados, conforme publicado na Declaração de Cambridge sobre Consciência em Animais Humanos e Não humanos, em sentir dor e de terem consciência da dor sobre a qual são expostos.
Por qual razão nos sensibilizamos quando na ficção (Planeta dos Macacos) é retratado o animal senciente humano a submissão de ato degradante a sua dignidade, mas não nos sensibilizamos quando na vida real o animal senciente não humano é submetido a ato degradante a sua dignidade (animal)?
Quando deixaremos de vê-los como instrumentos ou meios de satisfação de interesse do animal humano e quando iremos trazê-los para a nossa esfera de consideração moral e os termos como seres que sentem dor, satisfação, alegria, tristeza e angustia.
No filme e na série os seres humanos são retratados em jaulas e em trabalho escravo, o que causa repulsa, mas pagamos para vermos chimpanzés e gorilas enjaulados em zoológicos ou ainda fechamos os olhos ao nos depararmos com cavalos em carroças tracionando quilos e quilos de carga, inclusive o próprio carroceiro, com jornada extenuante de trabalho sem água e alimentação, não distanciando de trabalho escravo.
A ordem jurídica posta já tutela o interesse animal no âmbito constitucional e infraconstitucional, como por exemplo, a Lei dos Crimes Ambientais, Lei de nº 9.605/98, artigo 32, no entanto, valores e a racionalidade de grande parte da sociedade se mantêm inalterados em relação à visão da relação do animal humano com o animal não humano, mantendo a visão de que o homem ocupa o ápice da pirâmide, legitimando utilizar tudo que se encontra abaixo como instrumento de sua satisfação, dando de ombros com o avanço legislativo de proteção animal, que advém de avanços de interesses sociais, ressuscitando a teoria da “Grande Cadeia do Ser” de Aristóteles.
A humanidade está em um contexto civilizatório que não admite que seres senciente sejam submetidos a tratamento degradante a sua condição, cuja ficção retratada no filme e na série “Planeta dos Macacos” nos deve conduzir a reflexão sobre nosso pensar e agir em relação aos animais não humanos para efetivamente os considerarmos como dotados de valor moral, de dignidade e, portanto, sujeitos de direito, sem o qual se esvazia a “Regra da Proibição da Crueldade”.
Não estamos sozinhos no Planeta e o animal humano deve trabalhar para que os animais não humanos possam usufruir do mesmo direito de viver sem serem objetos ou instrumentos para a satisfação do interesse de outrem, cuja história da humanidade milita em seu desfavor quando se trata de subjugar e submeter a tudo e a todos que possam ser instrumentos para a satisfação pessoal.
Autor (a): Dr. Alexandre Giordani
OAB/RS 45.460
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