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ABATE DE ANIMAIS APREENDIDOS EM SITUAÇÃO DE MAUS TRATOS E JULGAMENTO DA ADPF 640 PELO STF

O Supremo Tribunal Federal foi provocado a julgar a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que tomou o número 640 junto a Corte.



A ação constitucional foi proposta pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS) em que questiona à interpretação que vem sendo conferida aos artigos 25, §§1º e 2º (com redação conferida pela Lei 13.052/2014) e artigo 32 da Lei 9.605/1998, bem como aos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008, por parte de órgãos judiciais e administrativos, de modo a possibilitar o abate de animais apreendidos em situação de maus tratos.


Os preceitos sobre os quais a interpretação é questionada se replica abaixo:


a) Dispositivos da Lei 9.605/1998.


Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.

§ 1º Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados.

§ 2º Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no § 1º deste artigo, o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico.


(...).


Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.


b) DECRETO nº 6.514/2008.


Art. 101. Constatada a infração ambiental, o agente autuante, no uso do seu poder de polícia, poderá adotar as seguintes medidas administrativas:

I- apreensão;

II- embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;

III- suspensão de venda ou fabricação de produto;

IV- suspensão parcial ou total de atividades;

V- destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; e

VI- demolição.

§1º As medidas de que trata este artigo têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.


Art.102. Os animais, produtos, subprodutos, instrumentos, petrechos, veículos de qualquer natureza referidos no inciso IV do art. 72 da Lei 9.605, de 1998, serão objeto da apreensão de que trata o inciso I do art. 101, salvo impossibilidade justificada.


Art. 103. Os animais domésticos e exóticos serão apreendidos quando:

I- forem encontrados no interior de unidade de conservação de proteção integral; ou

II- forem encontrados em área de preservação permanente ou quando impedirem a regeneração natural de vegetação em área cujo corte não tenha sido autorizado, desde que, em todos os casos, tenha havido prévio embargo.

§1º Na hipótese prevista no inciso II, os proprietários deverão ser previamente notificados para que promovam a remoção dos animais do local no prazo assinalado pela autoridade competente.

§2º Não será adotado o procedimento previsto no § 1º quando não for possível identificar o proprietário dos animais apreendidos, seu preposto ou representante.

§3ºO disposto no caput não será aplicado quando a atividade tenha sido caracterizada como de baixo impacto e previamente autorizada, quando couber, nos termos da legislação em vigor.


A inconformidade do autor da ação esta na garantia à aplicação do que vem previsto no texto do artigo 5º, inciso II (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei) e artigo 225, § 1º, inciso VII (proibição de atos de maus tratos/ crueldade), ambos da Carta da República.


O cerne do debate esta na equivocada interpretação das disposições legais que permite o abate de animais apreendidos em situação de maus tratos cuja prática não encontra autorização constitucional.


O Relator, Ministro Gilmar Mendes, já proferiu voto conhecendo da ação, pois preenche os pressupostos legais para o ajuizamento e processamento da ADPF previstos em Lei (Lei nº 9.882/99) e, no mérito, a ação resta julgada procedente a pretensão aforada.


O voto do Ministro Relator foi acompanhado pelo Ministro Ricardo Levandowski e Ministro Alexandre de Moraes.


O julgamento segue de forma virtual com 03 (três) votos pela procedência.


Resumidamente, o voto condutor pela procedência da pretensão deduzida em sede de ADPF, vem na esteira da jurisprudência da Suprema Corte em reconhecer a proteção dos animais em detrimento de atos que coloquem em risco a sua função e equilíbrio ecológico para a presente ou futuras gerações.


Destaca-se no voto do Ministro Gilmar Mendes questão de suma importância, qual seja o viés antropocêntrico para o viés biocêntrico quando é anotado que os animais não humanos deixam de ser objeto de proteção constitucional como instrumento da satisfação do animal humano ao colacionar no corpo da decisão entendimento doutrinário a auxiliar no seu convencimento.


Em outras palavras, o texto do artigo 225, caput e seu paragrafo 1º inciso VII da CR não protege indiretamente o animal não humano, mas sim considera como bem jurídico tutelado constitucionalmente independente do ser humano, valendo por si só, pois é dotado de valor moral próprio descolado de qualquer relação com o Homem.


Neste sentido, o voto o Ministro Relator trouxe a colação o julgamento da ADI nº 4983, chamada ADI da Vaquejada, em que a Corte Constitucional declarou inconstitucional tal prática por entender intrínseco maus tratos aos animais, citando julgado na ADIn nº 2.514-7/SC e ADI nº 1.856 (rinha de galo).


Firmado o entendimento do STF em favor do meio ambiente/ animais quando chamada a decidir sobre o conflito com manifestação cultural, religião e economia, cujo voto segue a mesma linha argumentativa posta nos julgados citados.


Nas razões de decidir o Ministro Relator fixa que a lei infraconstitucional esta na mesma linha de proteção e bem estar, devendo o Estado, no sentido amplo, não abater o animal, mas promover a libertação em seu habitat quando apreendidos em autos de infração, conforme estatui o artigo 25 da Lei dos Crimes Ambientais ou, ainda, na impossibilidade ou não sendo recomendável que a autoridade promova a entrega do animal a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob responsabilidade de técnicos habilitados.


Na mesma linha do preceito citado o artigo 107 do Decreto 6.514/2008 e Instrução Normativa nº 19/2014 do IBAMA, as quais não preveem abate do animal apreendido em situação de maus tratos.


A interpretação aos dispositivos legais não encartam em promover o abate, mas sim à tomada de medidas alternativas previstas em lei, o que afasta a interpretação do abate tomado como regra em decisões judiciais e administrativas.


Aqui, lembramos que na dúvida, caso existente, prevalece o princípio da precaução e da prevenção, o que veda a medida de abate sem qualquer prova técnica da sua necessidade.


Assim conclui o voto o Ministro Relator:


Anote-se que as decisões judiciais e interpretações administrativas que justificam o abate preferencial e imediato de animais apreendidos em condições de maus-tratos violam não apenas a norma do art. 225, §1º, VII, mas também o princípio da legalidade contido no caput art. 37 da CF/88.


Isso porque inexiste autorização legal expressa que possibilite o abate de animais no caso específico de apreensão em situação de maus-tratos, conforme se observa da literalidade dos artigos 25, §§1º e 2º (com redação conferida pela Lei 13.052/2014), c/c art. 32 da Lei 9.605/1998, bem como os artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008.


O §2º do art. 25 da Lei 9.605/98 é inclusive expresso ao afirmar o dever do poder público de zelar pelo “bem-estar físico” dos animais apreendidos, até a entrega às instituições adequadas como jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas.


Portanto, apenas uma interpretação inconstitucional das referidas normas poderia autorizar o abate em seguida à apreensão de animais em situação de maus-tratos.


Como referido ao se inaugurar o presente texto, não há voto divergente, prevalecendo o entendimento, até o presente momento, para declarar a ilegitimidade da interpretação dos arts. 25, §§1º e 2º da Lei 9.605/1998, bem como dos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008 e demais normas infraconstitucionais, que autorizem o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos.


Espera-se que o STF mantenha o entendimento jurisprudencial que prevalece o interesse na proteção do meio ambiente e do animal não humano, que se descola da função que possa desempenhar como espécie que compõe o bioma para a visão de que cada animal individualmente considerado é dotado de interesse e valor moral próprio, que autoriza afirmarmos que a senciência animal é a fundamentalidade material de direito animal, forte na interpretação do artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII da CR.


Autor (a): Dr. Alexandre Giordani - OAB/RS 45.460

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